É tempo de marcação!

Gravado na Fazenda Boa Vista, em São Borja, RS, nos dias 2 e 3 de maio de 2009, por Cristiano Martins (imagens, edição e produção executiva), Genésio Barão (fotografia e imagens adicionais) e Pedro Bicca (direção, roteiro e produção), para a disciplina de Projeto Experimental em Telejornalismo, do curso de Jornalismo da UNISINOS, sob a orientação da Prof.ª Luiza Carravetta. Segundo colocado no Prêmio de Jornalismo 2010 UNISINOS na categoria Documentário e Vídeo/TV.

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Poncho Molhado

Assim como muitos de nós, ele veio do interior para a capital. De pé, espremido, condução lotada, odores desagradáveis, nada diferente da rotina diária de muitos de nós… Veio de um rincão distante, incerto e não sabido, mas com destino certo: Estância da Harmonia, Porto Alegre, RS. Tinha data para ir embora, e sua tarefa era a de ser o coadjuvante em uma competição, nada que já não tenha feito antes nestes campos do pampa. A condução encostou, a porta se abriu, e veio de fora o berreiro… “Eia, vâmo! Toca! Eia!”

De forma desajeitada, todos foram descendo e se ajeitando na área que lhes tinham reservado, um cercado de pouco mais de dez metros quadrados… Uns atordoados com a viagem, outros atônitos com a quantidade de gente que os observava. Mas ele estava tranquilo, respirava aliviado após a longa viagem. Agora era esperar sua hora e mostrar serviço. Passou-se um dia, dois, as horas passavam, o trabalho não vinha, somente a espera. A impaciência de seus pares, o nervosismo, nada o abalava. Estaria ele concentrado no trabalho? Ou disperso? Conforme eles saíam para a lida, o cercado foi se esvaziando, deixando espaço para os que lá se encontravam. A impaciência deu lugar a um nada, uma mistura de cansaço e concentração, uma espera que só não era silenciosa pelos gritos que vinham das arquibancadas.

Era na lida que se sabia quem tinha e quem não tinha vocação para aquela tarefa. Depois de tanta espera, os mais nervosos não duravam muito tempo na cancha, saíam sem rumo, mas não fugiam do olhar dos juízes. – Planchou, tem que trocar! Não demorou e chegou a vez dele. Um tapa no dorso e se foi pelo corredor, tomando o rumo da cancela. Hora de mostrar a que tinha vindo. A cancela se abre e ele se põe na cancha. Sente a terra lamacenta, que deveria ser fofa, mas que a chuva encharcou. Os sapucais se espalham pela arquibancada que lhe observa.

A passo manso, desfila pela cancha sem demonstrar preocupação. Não demorou muito para que o trabalho se apresentasse. O zunido do laço no ar dava o sinal de que correr era a ordem. Era o homem de poncho molhado da chuva, laço no ar movido com a mão, montado em seu cavalo com um único objetivo: o tiro sair certeiro, preciso. Ao coadjuvante, corajoso por estar na cancha e por contar com a confiança dos juízes, restava uma saída: a imprecisão do laçador. De forma habilidosa, restava a ele mostrar que não viera de longe para fazer feio. Um momento de desatenção seria crucial para o sucesso do peão, habilidoso, que tinha como obrigação o êxito. 100 metros separavam o êxito do insucesso.

“Te põe a correr cancha afora, loco! Passa dos 100 metros que tá a salvo, é tua chance de não ir pra valeta! Aqui na capital não tem dessas cousas, te cria, gente! Toca a correr!”

Um pensamento breve de instinto, de sobrevivência. Lampejo de que as coisas poderiam ser melhores, de que seu fim não seria como o da grande maioria… Mas desse lampejo veio a desatenção. Não tardou e veio o coice do laço, certeiro no pescoço. Não adiantou forçar passo, o pulso do peão era mais forte. Sapucais aos montes surgiam das arquibancadas. Vibra o peão! “O novilho nem correu cinquenta metros, tiro pra lá de certeiro!”

Livre do laço, ele sai na direção da cancela, tomando o rumo do cercado. De lá, para a condução… O destino? Um destes rincões pelo Rio Grande afora… Muito provavelmente não tenha vida longa, acabe carneado num matadouro, e se torne refeição da peonada em uma valeta feita a sombra de uma velha figueira…

O sábio disse “o boi é bicho mas tem alma sobre o couro”. Há quem ainda duvide…

Texto publicado no blog Impressões Literárias, produzido para a disciplina de Redação Experimental em Revista do curso de Jornalismo da UNISINOS.